segunda-feira, 8 de julho de 2013

As chances do Sul

* Por Celso Deuchuer


David Landes
Em março de 2000, o escritor e historiador Americano David Landes esteve no Brasil e concedeu uma entrevista quase bombástica ao jornalista Carlos Graieb, da Revista Veja. Na edição nº 1.641, no dia 22 daquele mês, a revista fez a publicação nas suas páginas amarelas. Em resumo Landes reafirmou a tese de seu livro “A Riqueza e a Pobreza das Nações” de que as tradições de um povo são tão importante para a economia quanto os recursos materiais. Ele divide a humanidade em dois grupos: os que vivem para trabalhar e os que trabalham para viver. "Quanto mais pessoas do primeiro tipo houver, mais chances uma nação terá de sair ganhando no jogo da globalização", disse ele a Veja.

David Landes foi, durante décadas, professor na Universidade de Harvard e nos seus principais estudos desenvolveu a tese lançada por Max Weber de que “a cultura e os valores de um povo são tão ou mais importantes para o seu crescimento econômico do que os fatores materiais”. Seu livro, lançado pela editora Campos na América Portuguesa, também se tornou sucesso por aqui, sendo que já, a partir de 1998, era um dos mais vendidos em diversos países do mundo.

Perguntado pela Veja quais seriam as causas da riqueza e da pobreza das nações, Landes respondeu que não há dúvida de que fatores clássicos, como o acesso a recursos naturais ou mão-de-obra, são importantes. “Também estou certo de que a geografia e o clima podem ser determinantes, embora muita gente não concorde com isso. Mas eu gostaria de insistir em uma variável pouco lembrada: a cultura. Ela é preponderante no sucesso material de algumas nações e no insucesso de outras. Falo de cultura em sentido amplo. Não me refiro a obras de arte, mas aos valores e atitudes vigentes numa sociedade. Foi por prezar a liberdade individual, a curiosidade e a criatividade, e por assumir uma atitude positiva com relação ao trabalho, que a Europa Ocidental tomou a dianteira na corrida pelo desenvolvimento, 500 anos atrás. Fora da Europa, os países que assimilaram esses valores, como os da América anglo-saxônica, ou dispunham de tradições semelhantes em sua própria cultura, caso dos asiáticos, entraram para o clube dos vitoriosos”, afirmou.

Ele também acredita, como Max Weber, que o espírito protestante, tão presente no Sul do Brasil, esteve ligado diretamente à ascensão do capitalismo no mundo. Segundo Landes, as outras religiões monoteístas, incluindo o judaísmo, a qual ele pertence, fazem da pobreza uma virtude. “Quase toda a história da cristandade inclui uma louvação da pobreza: os pobres vão para o céu, enquanto a riqueza é uma forma de corrupção. Nos países islâmicos, a pobreza é considerada um antídoto para os modos, o luxo, a auto-indulgência do Ocidente. O protestantismo foi importante por causa de sua atitude positiva com relação ao trabalho e ao enriquecimento. Também foi importante porque desde o começo os protestantes discordaram e discutiram entre si. O protestantismo era na origem pluralista, enquanto o catolicismo sempre foi centralizador”, analisa.

É por estes motivos que Landes acredita que o catolicismo segregava os empreendedores e por isto, na sociedade colonial, comandada por espanhóis e portugueses, a imigração de europeus do norte era evitada a todo o custo. “Empreendimentos são realizados por pessoas que vivem para trabalhar, e não por aquelas que trabalham para viver. É preciso ter prazer no trabalho para tornar-se um empresário bem-sucedido”, disse.

A parte mais interessante desta entrevista começa com a pergunta clássica: “O Brasil é mesmo o país do futuro?”. A resposta dada por Landes deve de ter deixado Brasília de cabelo em pé, ainda mais vindo da Revista Veja, eleita o próprio demônio da mídia nacional nos últimos tempos, por ser um dos poucos veículos de comunicação considerados de oposição e pelo seu passado tenebroso ao lado dos militares. David Landes foi taxativo na resposta: “Acho que o Brasil vai conseguir diminuir suas taxas de pobreza. Quanto a tornar-se um dos países mais desenvolvidos, isso é outra história. Isoladamente, a Região Sul do país teria boas chances”.

O jornalista Carlos Graieb, que entrevistava David Landes deve ter dado um pulo na cadeira com esta declaração. “Como assim”, deve ter se perguntado... Era algo inacreditável, vindo de uma autoridade com robustez mundial. 

Passado o “susto” Greieb tascou a pergunta que não queria calar e que merecia resposta: “O senhor está sugerindo que o país se divida em dois?” A resposta do entrevistado foi mais contundente ainda: “Estou dizendo que se o Sul se separasse do Norte teria boas chances de alcançar os países mais avançados. Sei que as pessoas logo vão pensar em coisas do tipo: mas como assim, abrir mão dos infindáveis recursos da Amazônia? Pois eu lhe digo que, se vivesse em São Paulo, não me preocuparia muito com o destino do Amazonas. Minerais? Madeira? Tudo isso pode ser comprado. Não é preciso ser dono desses recursos. É mais fácil comprar e vender do que ser proprietário. Em nossa época, não existe nenhuma virtude intrínseca, política ou econômica, em manter um grande território e ser uma grande unidade”.

Como o jornalista certamente já estava seguindo a máxima de que “brasileiro não desiste nunca”, tentou “se dar bem” encima de Landes e perguntou ao americano: “Os Estados Unidos deveriam, então, abrir mão do Estado associado de Porto Rico, por exemplo?” Mais uma vez Landes não titubeou e deu uma resposta que merece ser degustada na sua integra: “Não tenho a menor dúvida que sim. Se a população de Porto Rico votasse pela independência com relação aos Estados Unidos, não haveria nenhum bom motivo para que nós, americanos, permanecêssemos no país. Acho também que os russos estão loucos em fazer o que fizeram na Chechênia. O imperialismo e o expansionismo foram constantes na história do século XIX. Mas, na passagem do século XX para o XXI, numa era de comércio global livre, não há nada que nos obrigue a pensar que maior é melhor. Europeus e japoneses aprenderam essa lição e se deram muito bem”.

Sobre esta última frase vale uma breve reflexão sobre os últimos acontecimentos, já que esta entrevista de Landes foi no ano de 2000 e de lá para cá, muita água passou por debaixo da ponte. A Europa passa hoje por sérias dificuldades na economia, justamente por ter feito o que jamais deveria fazer: tentar unificar através da economia povos tão distintos e culturas tão diferentes. Por incrível que isso possa parecer, mas até as moedas nacionais que foram simplesmente extirpadas para dar lugar ao Euro, eram parte da cultura daqueles povos. Deu no que deu e a tendência é piorar.

O fato acima é prova mais do que cabal de que os pregadores de que o “mundo está se unindo”, estão radicalmente errados e não estão enxergando o que está acontecendo neste momento em todas as partes do planeta. Uma das provas mais contundentes deste grosseiro erro é que hoje temos mais de 400 movimentos separatistas (povos reivindicando seu direito de autodeterminação) nas diversas partes do globo terrestre e a cada ano nascem em média três novos países. O único “país” que desapareceu foi a Alemanha oriental, separada a força pela “imbecilidade ideológica” dos vencedores da segunda guerra mundial. Ao contrário do que muitos pensam, com a queda do muro de Berlim, caiu também esta mentalidade tosca de que povos têm que ser mantidos a força e contra a sua vontade, unidos ou separados a Estados nacionais. 
Por fim, vale uma reflexão a luz das declarações de David Landes em relação a atual situação da região Sul do Brasil. Será que ele efetivamente tem razão? Se esta região e seu povo continuar “unida” ao Brasil, vai algum dia conseguir ter um futuro melhor? Do nosso ponto de vista, Landes tem total razão, pois mantendo-se o atual status quo, continuaremos a ser apenas as três colônias do Sul, exploradas pelo corrupto e inepto estado brasileiro. Para conseguirmos chegar a dias melhores, não nos resta outra saída que não seja lutar por ter nosso próprio país. Um país que comece da maneira certa e que seu povo tenha antes de mais nada, orgulho de seus iguais e do trabalho que dignifica e dá lastro ao desenvolvimento econômico, social e cultural.
*O autor é jornalista e presidente do Movimento O Sul é o Meu País.  


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