domingo, 21 de julho de 2013

O Defensor de Indefensáveis


Jacques Vergès em 2006
Intrigante a história da vida e da trajetória profissional do advogado tailandês de nacionalidade francesa Jacques Vergès. Formado relativamente de forma tardia, na casa dos trinta anos, iniciou a carreira defendendo revolucionários argelinos que lutavam para livrar seu país do domínio da França, e que para tanto, serviam-se de métodos de terrorismo. 

Dali por diante, listam-se em seu  rol de clientes nomes como os de Klaus Barbie, Carlos 'o chacal', Pol Pot, Slobodan Milosevic e Djamila Bouhired, com quem inclusive acabou por casar-se. Todas estas figuras, entre outras tantas que defendeu, têm em comum o fato de serem acusadas de crimes de guerra, terrorismo, genocídios e assassinatos seriais.

Outra peculiaridade deste personagem, é usar como tática nas suas defesas a desqualificação dos acusadores, alegando que os crimes imputados aos seus clientes eram muito menores em relação aos cometidos por quem lhes acusava, e que portanto o Tribunal composto não era legítimo.

Dizia-se comunista e anticolonialista, e não apenas defendia pessoas que normalmente nenhum outro advogado defenderia por razões morais, como as procurava, e oferecia-se voluntariamente para ser seu defensor.
Vergès na defesa do criminoso nazista Klaus Barbie na década de 80

Vergès, nascido em 1925, tem hoje 88 anos e ainda atua em casos menores, porém polêmicos, sempre alegou que, na essência, qualquer pessoa, por pior que fosse, teria o direito a melhor defesa possível.

Teve grande parte de sua vida retratada no documentário "O Advogado do Terror", do cineasta Barbet Schoreder em 2007.

No filme consta uma emblemática fala que pode retratar mais profundamente o homem além do advogado, quando perguntado se defenderia Adolf Hitler. Com um olhar petrificante e um disfarçado sorriso, responde tranquilamente que "defenderia até George Bush, com a condição de que ele se declarasse culpado."

O advogado nos anos 90
Notória uma passagem durante uma atuação no Tribunal Criminal Internacional, quando após incontáveis horas da leitura das milhares de páginas do processo por um membro do Tribunal, e após mais longas e exaustiva horas de exposição da tese acusatória, quando chegou sua vez de replicar, falando em francês afirmou: "Li atentamente cada uma das páginas do denso processo no qual se pretende condenar meu cliente. Reparei que todo ele, está transcrito na língua inglesa. Ora, segundo os tratados internacionais aplicáveis ao caso, há obrigação de se fazer constar nas folhas dos autos os três idiomas oficiais desta côrte, inglês, espanhol e francês. Reparei não haver uma palavra sequer que não seja em inglês. Há que se cessar imediatamente o julgamento, pois não havendo possibilidade de compreender o idioma, simplesmente não tenho ideia do que tentam acusar meu cliente."

 E assim foi feito.

* NOTA: Jacques Vergès faleceu em 15 de Agosto de 2013 na cidade de Paris.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

As Leis do Poder

Não se atreva a desrespeitar as leis do poder *


Publicado em: 16/05/2013
Cardeal de Richelieu
“Elas se encontram nos escritos de pensadores, estadistas, militares, cortesãos, artistas, estrategistas. Cezar, Sun Tzu, Gracian, Bernard Shaw, Maquiavel, Napoleão, Bismark, Talleyrand, Richelieu, Clausewitz, Lao Tse, Ibn Khaldun, Guicciardini, Castiglione, Richelieu, Churchill, Mazarin, são alguns dos principais formuladores destas leis, que foram escolhidos para citar, afim de ilustrar a grande variedade de épocas, países, culturas e ocupações profissionais que as produziu.”
Carl von Clausewitz
Sim, o exercício do poder está sujeito a leis. Não se trata aqui de leis votadas pelo Legislativo e formalmente editadas pelo sistema político de um país, para regulamentar a ação política dos órgãos de governo e de representação, e as suas atribuições e responsabilidades.
Estas dizem respeito ao aspecto jurídico-formal da política. Correspondem à institucionalização do processo político, e, como tais, são necessárias e importantes. São respeitáveis e respeitadas, porque há todo um aparato jurídico-administrativo, que se encarrega de assegurar o seu acatamento.
Mais ainda, delas depende a legitimidade do poder, a civilidade das relações políticas e a estabilidade social. É por meio das formas legalmente promulgadas, na Constituição e nas leis especiais e ordinárias, que a democracia se realiza.
As leis do poder, que vamos apresentar nesta coluna, aquelas que você, como um político que busca o poder, não deve nunca se atrever a desrespeitar, correspondem àquela parte do “iceberg” da política que fica submersa.
Baltasar Gracián
São leis não formais de “prudência e sabedoria política”.
  • Seu foco é o comportamento real das pessoas e não o ideal, ditado por valores morais, sociais e culturais;
  • Seu objetivo é rigoroso e exclusivo: a conquista, o exercício e a manutenção do poder, sem submissão a qualquer valor ou finalidade “não política”;
  • Seu exercício é de livre decisão individual. O indivíduo goza de total liberdade para seguir ou não as suas regras. Nada, nem ninguém o obriga;
  • Sua sanção se manifesta no resultado – favorável para quem as segue desfavorável para quem as ignora.
Encontram-se em escritos que cobrem um período de 3 milênios, e que provêm tanto do Ocidente como do Oriente. Não obstante as enormes diferenças de épocas históricas e de sociedades, eles guardam uma notável coerência entre si, e constituem um verdadeiro corpo de conhecimentos, em torno de um mesmo objeto de estudo, resultado da observação interpretação, e testadas na prática da ação política.
A notável longevidade e surpreendente universalidade deste “corpo de conhecimentos” permitiram a sua validação ao longo da história política. Não é por outra razão que seus formuladores recorrem com tanta freqüência a exemplos históricos, para confirmar, pelos fatos, seus princípios, regras e postulados.
Cardeal Mazarin
Os exemplos históricos que usam para confirmar a validade dos princípios que postulam são ilustres, fartamente conhecidos e memoráveis: o Velho Testamento, episódios da história dos grandes impérios como o Egípcio, o Chinês, o Persa, o Romano, o Papado, a Itália dos Sforza, Médici e Borgia, a arte da guerra, a vida de reis e de príncipes, os conflitos religiosos, as revoluções, as sedições e golpes políticos, até às obras literárias irreverentes, às reflexões “realistas” sobre os homens, a política e o governo.

São apresentados da mais variada forma, como revela a mera referência aos exemplos mencionados. Seus formuladores preferem apresentá-los sob a forma de advertências, conselhos, alertas, lembranças, em aberto contraste com a maneira convencional de encarar o assunto. Neste aspecto, muitas vezes chocaram seus leitores pela forma direta, pela fria objetividade e, em muitos casos, pelo conteúdo amoral das admoestações.

Máximas e aforismos dispensam longas argumentações, formulações teóricas, e justificativas. São propostas como verdades em si mesmas, supondo que o indivíduo, ao lê-las ou ouvi-las, as aceita pelo seu poderoso efeito persuasivo.Embora de diversificado formato literário, na maioria dos casos, são escritas como um conjunto de máximas, aforismos, frases célebres que se propõem a revelar uma verdade, pela autoevidência, expressa na sua concisa formulação.
Grande parte desses conselhos e advertências perdeu, ao longo dos séculos, as referências do seu autor. Isto se deve ao fato de que, por serem muito concisas, formuladas como uma frase, ou um período curto, se não foram transcritas num texto e chegaram aos pósteros pela tradição oral, é impossível determinar seu autor.
As Leis do Poder, como uma parcela especial deste corpo de conhecimento, codificado em máximas e aforismos, partem de uma premissa muito simples: “Certas ações, praticadas em observância àquelas leis, resultam em maior poder para quem as pratica; enquanto outras, praticadas em conflito com aquelas leis, resultam em perda de poder e até mesmo em ruína política”.
Maquiavel
Finalmente, resta acrescentar que estas leis são práticas.
Elas codificam um conhecimento prático, aplicável a qualquer situação onde a problemática da política – conquistar e manter o poder – se faça presente.
Consistem em conselhos, advertências e orientações para aqueles que se dispõem a participar da política real, com seus riscos e custos, diferentemente daquela outra política, da oratória balofa, da submissão ao “politicamente correto” e da retórica das intenções. É para os primeiros que este corpo de conhecimentos foi criado. Por isto é um conhecimento prático, amparado em uma fartura de exemplos e medido por resultados visíveis.
Os conselhos e advertências que essas leis incorporam, não devem ser entendidos como “meros conselhos e meras advertências”. São muito mais. São regras de sobrevivência. São avisos do que funciona e do que não funciona.
Em uma palavra, são leis. Há um preço a pagar por desrespeitá-las, e o poder é a moeda com que se paga.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

As chances do Sul

* Por Celso Deuchuer


David Landes
Em março de 2000, o escritor e historiador Americano David Landes esteve no Brasil e concedeu uma entrevista quase bombástica ao jornalista Carlos Graieb, da Revista Veja. Na edição nº 1.641, no dia 22 daquele mês, a revista fez a publicação nas suas páginas amarelas. Em resumo Landes reafirmou a tese de seu livro “A Riqueza e a Pobreza das Nações” de que as tradições de um povo são tão importante para a economia quanto os recursos materiais. Ele divide a humanidade em dois grupos: os que vivem para trabalhar e os que trabalham para viver. "Quanto mais pessoas do primeiro tipo houver, mais chances uma nação terá de sair ganhando no jogo da globalização", disse ele a Veja.

David Landes foi, durante décadas, professor na Universidade de Harvard e nos seus principais estudos desenvolveu a tese lançada por Max Weber de que “a cultura e os valores de um povo são tão ou mais importantes para o seu crescimento econômico do que os fatores materiais”. Seu livro, lançado pela editora Campos na América Portuguesa, também se tornou sucesso por aqui, sendo que já, a partir de 1998, era um dos mais vendidos em diversos países do mundo.

Perguntado pela Veja quais seriam as causas da riqueza e da pobreza das nações, Landes respondeu que não há dúvida de que fatores clássicos, como o acesso a recursos naturais ou mão-de-obra, são importantes. “Também estou certo de que a geografia e o clima podem ser determinantes, embora muita gente não concorde com isso. Mas eu gostaria de insistir em uma variável pouco lembrada: a cultura. Ela é preponderante no sucesso material de algumas nações e no insucesso de outras. Falo de cultura em sentido amplo. Não me refiro a obras de arte, mas aos valores e atitudes vigentes numa sociedade. Foi por prezar a liberdade individual, a curiosidade e a criatividade, e por assumir uma atitude positiva com relação ao trabalho, que a Europa Ocidental tomou a dianteira na corrida pelo desenvolvimento, 500 anos atrás. Fora da Europa, os países que assimilaram esses valores, como os da América anglo-saxônica, ou dispunham de tradições semelhantes em sua própria cultura, caso dos asiáticos, entraram para o clube dos vitoriosos”, afirmou.

Ele também acredita, como Max Weber, que o espírito protestante, tão presente no Sul do Brasil, esteve ligado diretamente à ascensão do capitalismo no mundo. Segundo Landes, as outras religiões monoteístas, incluindo o judaísmo, a qual ele pertence, fazem da pobreza uma virtude. “Quase toda a história da cristandade inclui uma louvação da pobreza: os pobres vão para o céu, enquanto a riqueza é uma forma de corrupção. Nos países islâmicos, a pobreza é considerada um antídoto para os modos, o luxo, a auto-indulgência do Ocidente. O protestantismo foi importante por causa de sua atitude positiva com relação ao trabalho e ao enriquecimento. Também foi importante porque desde o começo os protestantes discordaram e discutiram entre si. O protestantismo era na origem pluralista, enquanto o catolicismo sempre foi centralizador”, analisa.

É por estes motivos que Landes acredita que o catolicismo segregava os empreendedores e por isto, na sociedade colonial, comandada por espanhóis e portugueses, a imigração de europeus do norte era evitada a todo o custo. “Empreendimentos são realizados por pessoas que vivem para trabalhar, e não por aquelas que trabalham para viver. É preciso ter prazer no trabalho para tornar-se um empresário bem-sucedido”, disse.

A parte mais interessante desta entrevista começa com a pergunta clássica: “O Brasil é mesmo o país do futuro?”. A resposta dada por Landes deve de ter deixado Brasília de cabelo em pé, ainda mais vindo da Revista Veja, eleita o próprio demônio da mídia nacional nos últimos tempos, por ser um dos poucos veículos de comunicação considerados de oposição e pelo seu passado tenebroso ao lado dos militares. David Landes foi taxativo na resposta: “Acho que o Brasil vai conseguir diminuir suas taxas de pobreza. Quanto a tornar-se um dos países mais desenvolvidos, isso é outra história. Isoladamente, a Região Sul do país teria boas chances”.

O jornalista Carlos Graieb, que entrevistava David Landes deve ter dado um pulo na cadeira com esta declaração. “Como assim”, deve ter se perguntado... Era algo inacreditável, vindo de uma autoridade com robustez mundial. 

Passado o “susto” Greieb tascou a pergunta que não queria calar e que merecia resposta: “O senhor está sugerindo que o país se divida em dois?” A resposta do entrevistado foi mais contundente ainda: “Estou dizendo que se o Sul se separasse do Norte teria boas chances de alcançar os países mais avançados. Sei que as pessoas logo vão pensar em coisas do tipo: mas como assim, abrir mão dos infindáveis recursos da Amazônia? Pois eu lhe digo que, se vivesse em São Paulo, não me preocuparia muito com o destino do Amazonas. Minerais? Madeira? Tudo isso pode ser comprado. Não é preciso ser dono desses recursos. É mais fácil comprar e vender do que ser proprietário. Em nossa época, não existe nenhuma virtude intrínseca, política ou econômica, em manter um grande território e ser uma grande unidade”.

Como o jornalista certamente já estava seguindo a máxima de que “brasileiro não desiste nunca”, tentou “se dar bem” encima de Landes e perguntou ao americano: “Os Estados Unidos deveriam, então, abrir mão do Estado associado de Porto Rico, por exemplo?” Mais uma vez Landes não titubeou e deu uma resposta que merece ser degustada na sua integra: “Não tenho a menor dúvida que sim. Se a população de Porto Rico votasse pela independência com relação aos Estados Unidos, não haveria nenhum bom motivo para que nós, americanos, permanecêssemos no país. Acho também que os russos estão loucos em fazer o que fizeram na Chechênia. O imperialismo e o expansionismo foram constantes na história do século XIX. Mas, na passagem do século XX para o XXI, numa era de comércio global livre, não há nada que nos obrigue a pensar que maior é melhor. Europeus e japoneses aprenderam essa lição e se deram muito bem”.

Sobre esta última frase vale uma breve reflexão sobre os últimos acontecimentos, já que esta entrevista de Landes foi no ano de 2000 e de lá para cá, muita água passou por debaixo da ponte. A Europa passa hoje por sérias dificuldades na economia, justamente por ter feito o que jamais deveria fazer: tentar unificar através da economia povos tão distintos e culturas tão diferentes. Por incrível que isso possa parecer, mas até as moedas nacionais que foram simplesmente extirpadas para dar lugar ao Euro, eram parte da cultura daqueles povos. Deu no que deu e a tendência é piorar.

O fato acima é prova mais do que cabal de que os pregadores de que o “mundo está se unindo”, estão radicalmente errados e não estão enxergando o que está acontecendo neste momento em todas as partes do planeta. Uma das provas mais contundentes deste grosseiro erro é que hoje temos mais de 400 movimentos separatistas (povos reivindicando seu direito de autodeterminação) nas diversas partes do globo terrestre e a cada ano nascem em média três novos países. O único “país” que desapareceu foi a Alemanha oriental, separada a força pela “imbecilidade ideológica” dos vencedores da segunda guerra mundial. Ao contrário do que muitos pensam, com a queda do muro de Berlim, caiu também esta mentalidade tosca de que povos têm que ser mantidos a força e contra a sua vontade, unidos ou separados a Estados nacionais. 
Por fim, vale uma reflexão a luz das declarações de David Landes em relação a atual situação da região Sul do Brasil. Será que ele efetivamente tem razão? Se esta região e seu povo continuar “unida” ao Brasil, vai algum dia conseguir ter um futuro melhor? Do nosso ponto de vista, Landes tem total razão, pois mantendo-se o atual status quo, continuaremos a ser apenas as três colônias do Sul, exploradas pelo corrupto e inepto estado brasileiro. Para conseguirmos chegar a dias melhores, não nos resta outra saída que não seja lutar por ter nosso próprio país. Um país que comece da maneira certa e que seu povo tenha antes de mais nada, orgulho de seus iguais e do trabalho que dignifica e dá lastro ao desenvolvimento econômico, social e cultural.
*O autor é jornalista e presidente do Movimento O Sul é o Meu País.  


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