sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O Poder na Política*

Falar em política é falar de poder


Publicado em: 01/06/2013
Nenhum conceito é mais usado na linguagem da política  do que o de poder. Falar em política é falar em poder. Entretanto, este é um conceito da vida diária, que se aplica também para muitos outros aspectos da vida, diferentes da política.
Além disso, poder é um conceito muito próximo de outros, particularmente do termo influência.
O que é, então, verdadeiramente o poder na política? em que consiste? qual a sua função na vida social? O que o distingue de outros termos assemelhados, como influência? Porque as sociedades organizam-se com base no poder, e não em outros princípios?
O poder pode ser visto como uma massa de energia que a sociedade coloca nas mãos do governante, dentro de marcos legais estabelecidos, para realizar os objetivos dos seus membros.
Esta massa de energia é composta de recursos financeiros , de ativos instalados e em operação (usinas, estradas, redes de energia etc), e de pessoal contratado para operar as instalações públicas e fazer a “máquina” do governo funcionar, em todas as suas frentes.
Quem comanda esta massa de energia, detém o poder, comanda o governo, assumindo a responsabilidade pelo funcionamento do governo (provendo bens e serviços públicos para a população) e pelas suas realizações (tudo que é feito além do que já existia).
Este é o poder político, em qualquer nível. O enunciado acima é válido para uma cidade, para um estado assim como para o país.
Luta-se pelo poder exatamente para adquirir o comando desta “massa de energia”, com a qual torna-se possível realizar objetivos de natureza coletiva.
Por sua própria natureza, o poder não convida, manda; não sugere, determina. Há toda uma estrutura legal que legitima inclusive o “uso ou ameaça do uso da sanção física”, para garantir que as decisões do poder (obtidas em respeito à Constituição) sejam cumpridas e obedecidas pelos cidadãos.
Portanto o poder é uma energia muito eficiente para realizar tarefas e para afetar o comportamento das pessoas.
Enquanto a influência, para induzir um comportamento, dependerá sempre da aceitação do influenciado, da sua anuência,
o poder induz o comportamento desejado,  independente da anuência, aceitação, boa ou má vontade do indivíduo afetado.
A influência é sugestiva,  poder é autoritário, embora, numa democracia, seja o exercício de uma autoridade legítima, dentro dos marcos legais estabelecidos.
Porque as sociedades se organizam com base no poder e não com base na influência ?
Porque a provisão de bens e serviços públicos, da qual depende a própria sobrevivência da sociedade, exige que o governo tenha capacidade de ação e meios à sua disposição para executá-los, mesmo contrariando interesses de sua população.
Ninguém gosta de pagar impostos, e, se este pagamento fosse voluntário, não haveria como financiar o governo; ninguém gosta de ir para a guerra, e se esta decisão fosse voluntária, não se poderia organizar as Forças Armadas para a defesa nacional.
Da mesma forma, todos gostariam de dirigir seus carros como bem entendem. Mas se isso ocorresse o trânsito se tornaria um caos.
Bertrand Russell
Os exemplos podem ser multiplicados, mas em todos os casos nos defrontaremos com a realidade de que, se a vida social tivesse a sua base fundada na influência, na persuasão, jamais haveria a certeza de que os bens públicos (saúde, educação, segurança, limpeza, transporte, investimentos etc)  seriam providos à população.
Somente fundando-se a vida social no poder, pode-se ter segurança de que os serviços e bens públicos serão providos aos indivíduos, e que estes terão que adaptar seu comportamento às regras legalmente vigentes.
Segundo Bertrand Russell, na sua elegante definição, o “poder é a produção de efeitos desejados”. O poder é simplificador, é um “atalho”. Como ele se exterioriza por comandos, garantidos por sanções, a probabilidade de que tais comandos venham a ser observados e cumpridos é muito alta.
Esta a razão porque os grupos sociais se organizam politicamente para conquistar o poder. Quem o conquista, ganha o governo, e, com ele, o poder.
Em outras palavras, ganha o direito  legítimo de usar aquela “massa de energia”, para realizar os objetivos para os quais foi escolhido.
O competente exercício do poder, então, não é apenas um atributo ou qualificativo de uma liderança. Muito mais que isto, ele é um imperativo da sobrevivência da sociedade, do seu ordeiro regramento, e da vida civilizada.

* O texto é originalmente do site "POLÍTICA PARA POLÍTICOS". Veja mais:
         

domingo, 21 de julho de 2013

O Defensor de Indefensáveis


Jacques Vergès em 2006
Intrigante a história da vida e da trajetória profissional do advogado tailandês de nacionalidade francesa Jacques Vergès. Formado relativamente de forma tardia, na casa dos trinta anos, iniciou a carreira defendendo revolucionários argelinos que lutavam para livrar seu país do domínio da França, e que para tanto, serviam-se de métodos de terrorismo. 

Dali por diante, listam-se em seu  rol de clientes nomes como os de Klaus Barbie, Carlos 'o chacal', Pol Pot, Slobodan Milosevic e Djamila Bouhired, com quem inclusive acabou por casar-se. Todas estas figuras, entre outras tantas que defendeu, têm em comum o fato de serem acusadas de crimes de guerra, terrorismo, genocídios e assassinatos seriais.

Outra peculiaridade deste personagem, é usar como tática nas suas defesas a desqualificação dos acusadores, alegando que os crimes imputados aos seus clientes eram muito menores em relação aos cometidos por quem lhes acusava, e que portanto o Tribunal composto não era legítimo.

Dizia-se comunista e anticolonialista, e não apenas defendia pessoas que normalmente nenhum outro advogado defenderia por razões morais, como as procurava, e oferecia-se voluntariamente para ser seu defensor.
Vergès na defesa do criminoso nazista Klaus Barbie na década de 80

Vergès, nascido em 1925, tem hoje 88 anos e ainda atua em casos menores, porém polêmicos, sempre alegou que, na essência, qualquer pessoa, por pior que fosse, teria o direito a melhor defesa possível.

Teve grande parte de sua vida retratada no documentário "O Advogado do Terror", do cineasta Barbet Schoreder em 2007.

No filme consta uma emblemática fala que pode retratar mais profundamente o homem além do advogado, quando perguntado se defenderia Adolf Hitler. Com um olhar petrificante e um disfarçado sorriso, responde tranquilamente que "defenderia até George Bush, com a condição de que ele se declarasse culpado."

O advogado nos anos 90
Notória uma passagem durante uma atuação no Tribunal Criminal Internacional, quando após incontáveis horas da leitura das milhares de páginas do processo por um membro do Tribunal, e após mais longas e exaustiva horas de exposição da tese acusatória, quando chegou sua vez de replicar, falando em francês afirmou: "Li atentamente cada uma das páginas do denso processo no qual se pretende condenar meu cliente. Reparei que todo ele, está transcrito na língua inglesa. Ora, segundo os tratados internacionais aplicáveis ao caso, há obrigação de se fazer constar nas folhas dos autos os três idiomas oficiais desta côrte, inglês, espanhol e francês. Reparei não haver uma palavra sequer que não seja em inglês. Há que se cessar imediatamente o julgamento, pois não havendo possibilidade de compreender o idioma, simplesmente não tenho ideia do que tentam acusar meu cliente."

 E assim foi feito.

* NOTA: Jacques Vergès faleceu em 15 de Agosto de 2013 na cidade de Paris.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

As Leis do Poder

Não se atreva a desrespeitar as leis do poder *


Publicado em: 16/05/2013
Cardeal de Richelieu
“Elas se encontram nos escritos de pensadores, estadistas, militares, cortesãos, artistas, estrategistas. Cezar, Sun Tzu, Gracian, Bernard Shaw, Maquiavel, Napoleão, Bismark, Talleyrand, Richelieu, Clausewitz, Lao Tse, Ibn Khaldun, Guicciardini, Castiglione, Richelieu, Churchill, Mazarin, são alguns dos principais formuladores destas leis, que foram escolhidos para citar, afim de ilustrar a grande variedade de épocas, países, culturas e ocupações profissionais que as produziu.”
Carl von Clausewitz
Sim, o exercício do poder está sujeito a leis. Não se trata aqui de leis votadas pelo Legislativo e formalmente editadas pelo sistema político de um país, para regulamentar a ação política dos órgãos de governo e de representação, e as suas atribuições e responsabilidades.
Estas dizem respeito ao aspecto jurídico-formal da política. Correspondem à institucionalização do processo político, e, como tais, são necessárias e importantes. São respeitáveis e respeitadas, porque há todo um aparato jurídico-administrativo, que se encarrega de assegurar o seu acatamento.
Mais ainda, delas depende a legitimidade do poder, a civilidade das relações políticas e a estabilidade social. É por meio das formas legalmente promulgadas, na Constituição e nas leis especiais e ordinárias, que a democracia se realiza.
As leis do poder, que vamos apresentar nesta coluna, aquelas que você, como um político que busca o poder, não deve nunca se atrever a desrespeitar, correspondem àquela parte do “iceberg” da política que fica submersa.
Baltasar Gracián
São leis não formais de “prudência e sabedoria política”.
  • Seu foco é o comportamento real das pessoas e não o ideal, ditado por valores morais, sociais e culturais;
  • Seu objetivo é rigoroso e exclusivo: a conquista, o exercício e a manutenção do poder, sem submissão a qualquer valor ou finalidade “não política”;
  • Seu exercício é de livre decisão individual. O indivíduo goza de total liberdade para seguir ou não as suas regras. Nada, nem ninguém o obriga;
  • Sua sanção se manifesta no resultado – favorável para quem as segue desfavorável para quem as ignora.
Encontram-se em escritos que cobrem um período de 3 milênios, e que provêm tanto do Ocidente como do Oriente. Não obstante as enormes diferenças de épocas históricas e de sociedades, eles guardam uma notável coerência entre si, e constituem um verdadeiro corpo de conhecimentos, em torno de um mesmo objeto de estudo, resultado da observação interpretação, e testadas na prática da ação política.
A notável longevidade e surpreendente universalidade deste “corpo de conhecimentos” permitiram a sua validação ao longo da história política. Não é por outra razão que seus formuladores recorrem com tanta freqüência a exemplos históricos, para confirmar, pelos fatos, seus princípios, regras e postulados.
Cardeal Mazarin
Os exemplos históricos que usam para confirmar a validade dos princípios que postulam são ilustres, fartamente conhecidos e memoráveis: o Velho Testamento, episódios da história dos grandes impérios como o Egípcio, o Chinês, o Persa, o Romano, o Papado, a Itália dos Sforza, Médici e Borgia, a arte da guerra, a vida de reis e de príncipes, os conflitos religiosos, as revoluções, as sedições e golpes políticos, até às obras literárias irreverentes, às reflexões “realistas” sobre os homens, a política e o governo.

São apresentados da mais variada forma, como revela a mera referência aos exemplos mencionados. Seus formuladores preferem apresentá-los sob a forma de advertências, conselhos, alertas, lembranças, em aberto contraste com a maneira convencional de encarar o assunto. Neste aspecto, muitas vezes chocaram seus leitores pela forma direta, pela fria objetividade e, em muitos casos, pelo conteúdo amoral das admoestações.

Máximas e aforismos dispensam longas argumentações, formulações teóricas, e justificativas. São propostas como verdades em si mesmas, supondo que o indivíduo, ao lê-las ou ouvi-las, as aceita pelo seu poderoso efeito persuasivo.Embora de diversificado formato literário, na maioria dos casos, são escritas como um conjunto de máximas, aforismos, frases célebres que se propõem a revelar uma verdade, pela autoevidência, expressa na sua concisa formulação.
Grande parte desses conselhos e advertências perdeu, ao longo dos séculos, as referências do seu autor. Isto se deve ao fato de que, por serem muito concisas, formuladas como uma frase, ou um período curto, se não foram transcritas num texto e chegaram aos pósteros pela tradição oral, é impossível determinar seu autor.
As Leis do Poder, como uma parcela especial deste corpo de conhecimento, codificado em máximas e aforismos, partem de uma premissa muito simples: “Certas ações, praticadas em observância àquelas leis, resultam em maior poder para quem as pratica; enquanto outras, praticadas em conflito com aquelas leis, resultam em perda de poder e até mesmo em ruína política”.
Maquiavel
Finalmente, resta acrescentar que estas leis são práticas.
Elas codificam um conhecimento prático, aplicável a qualquer situação onde a problemática da política – conquistar e manter o poder – se faça presente.
Consistem em conselhos, advertências e orientações para aqueles que se dispõem a participar da política real, com seus riscos e custos, diferentemente daquela outra política, da oratória balofa, da submissão ao “politicamente correto” e da retórica das intenções. É para os primeiros que este corpo de conhecimentos foi criado. Por isto é um conhecimento prático, amparado em uma fartura de exemplos e medido por resultados visíveis.
Os conselhos e advertências que essas leis incorporam, não devem ser entendidos como “meros conselhos e meras advertências”. São muito mais. São regras de sobrevivência. São avisos do que funciona e do que não funciona.
Em uma palavra, são leis. Há um preço a pagar por desrespeitá-las, e o poder é a moeda com que se paga.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

As chances do Sul

* Por Celso Deuchuer


David Landes
Em março de 2000, o escritor e historiador Americano David Landes esteve no Brasil e concedeu uma entrevista quase bombástica ao jornalista Carlos Graieb, da Revista Veja. Na edição nº 1.641, no dia 22 daquele mês, a revista fez a publicação nas suas páginas amarelas. Em resumo Landes reafirmou a tese de seu livro “A Riqueza e a Pobreza das Nações” de que as tradições de um povo são tão importante para a economia quanto os recursos materiais. Ele divide a humanidade em dois grupos: os que vivem para trabalhar e os que trabalham para viver. "Quanto mais pessoas do primeiro tipo houver, mais chances uma nação terá de sair ganhando no jogo da globalização", disse ele a Veja.

David Landes foi, durante décadas, professor na Universidade de Harvard e nos seus principais estudos desenvolveu a tese lançada por Max Weber de que “a cultura e os valores de um povo são tão ou mais importantes para o seu crescimento econômico do que os fatores materiais”. Seu livro, lançado pela editora Campos na América Portuguesa, também se tornou sucesso por aqui, sendo que já, a partir de 1998, era um dos mais vendidos em diversos países do mundo.

Perguntado pela Veja quais seriam as causas da riqueza e da pobreza das nações, Landes respondeu que não há dúvida de que fatores clássicos, como o acesso a recursos naturais ou mão-de-obra, são importantes. “Também estou certo de que a geografia e o clima podem ser determinantes, embora muita gente não concorde com isso. Mas eu gostaria de insistir em uma variável pouco lembrada: a cultura. Ela é preponderante no sucesso material de algumas nações e no insucesso de outras. Falo de cultura em sentido amplo. Não me refiro a obras de arte, mas aos valores e atitudes vigentes numa sociedade. Foi por prezar a liberdade individual, a curiosidade e a criatividade, e por assumir uma atitude positiva com relação ao trabalho, que a Europa Ocidental tomou a dianteira na corrida pelo desenvolvimento, 500 anos atrás. Fora da Europa, os países que assimilaram esses valores, como os da América anglo-saxônica, ou dispunham de tradições semelhantes em sua própria cultura, caso dos asiáticos, entraram para o clube dos vitoriosos”, afirmou.

Ele também acredita, como Max Weber, que o espírito protestante, tão presente no Sul do Brasil, esteve ligado diretamente à ascensão do capitalismo no mundo. Segundo Landes, as outras religiões monoteístas, incluindo o judaísmo, a qual ele pertence, fazem da pobreza uma virtude. “Quase toda a história da cristandade inclui uma louvação da pobreza: os pobres vão para o céu, enquanto a riqueza é uma forma de corrupção. Nos países islâmicos, a pobreza é considerada um antídoto para os modos, o luxo, a auto-indulgência do Ocidente. O protestantismo foi importante por causa de sua atitude positiva com relação ao trabalho e ao enriquecimento. Também foi importante porque desde o começo os protestantes discordaram e discutiram entre si. O protestantismo era na origem pluralista, enquanto o catolicismo sempre foi centralizador”, analisa.

É por estes motivos que Landes acredita que o catolicismo segregava os empreendedores e por isto, na sociedade colonial, comandada por espanhóis e portugueses, a imigração de europeus do norte era evitada a todo o custo. “Empreendimentos são realizados por pessoas que vivem para trabalhar, e não por aquelas que trabalham para viver. É preciso ter prazer no trabalho para tornar-se um empresário bem-sucedido”, disse.

A parte mais interessante desta entrevista começa com a pergunta clássica: “O Brasil é mesmo o país do futuro?”. A resposta dada por Landes deve de ter deixado Brasília de cabelo em pé, ainda mais vindo da Revista Veja, eleita o próprio demônio da mídia nacional nos últimos tempos, por ser um dos poucos veículos de comunicação considerados de oposição e pelo seu passado tenebroso ao lado dos militares. David Landes foi taxativo na resposta: “Acho que o Brasil vai conseguir diminuir suas taxas de pobreza. Quanto a tornar-se um dos países mais desenvolvidos, isso é outra história. Isoladamente, a Região Sul do país teria boas chances”.

O jornalista Carlos Graieb, que entrevistava David Landes deve ter dado um pulo na cadeira com esta declaração. “Como assim”, deve ter se perguntado... Era algo inacreditável, vindo de uma autoridade com robustez mundial. 

Passado o “susto” Greieb tascou a pergunta que não queria calar e que merecia resposta: “O senhor está sugerindo que o país se divida em dois?” A resposta do entrevistado foi mais contundente ainda: “Estou dizendo que se o Sul se separasse do Norte teria boas chances de alcançar os países mais avançados. Sei que as pessoas logo vão pensar em coisas do tipo: mas como assim, abrir mão dos infindáveis recursos da Amazônia? Pois eu lhe digo que, se vivesse em São Paulo, não me preocuparia muito com o destino do Amazonas. Minerais? Madeira? Tudo isso pode ser comprado. Não é preciso ser dono desses recursos. É mais fácil comprar e vender do que ser proprietário. Em nossa época, não existe nenhuma virtude intrínseca, política ou econômica, em manter um grande território e ser uma grande unidade”.

Como o jornalista certamente já estava seguindo a máxima de que “brasileiro não desiste nunca”, tentou “se dar bem” encima de Landes e perguntou ao americano: “Os Estados Unidos deveriam, então, abrir mão do Estado associado de Porto Rico, por exemplo?” Mais uma vez Landes não titubeou e deu uma resposta que merece ser degustada na sua integra: “Não tenho a menor dúvida que sim. Se a população de Porto Rico votasse pela independência com relação aos Estados Unidos, não haveria nenhum bom motivo para que nós, americanos, permanecêssemos no país. Acho também que os russos estão loucos em fazer o que fizeram na Chechênia. O imperialismo e o expansionismo foram constantes na história do século XIX. Mas, na passagem do século XX para o XXI, numa era de comércio global livre, não há nada que nos obrigue a pensar que maior é melhor. Europeus e japoneses aprenderam essa lição e se deram muito bem”.

Sobre esta última frase vale uma breve reflexão sobre os últimos acontecimentos, já que esta entrevista de Landes foi no ano de 2000 e de lá para cá, muita água passou por debaixo da ponte. A Europa passa hoje por sérias dificuldades na economia, justamente por ter feito o que jamais deveria fazer: tentar unificar através da economia povos tão distintos e culturas tão diferentes. Por incrível que isso possa parecer, mas até as moedas nacionais que foram simplesmente extirpadas para dar lugar ao Euro, eram parte da cultura daqueles povos. Deu no que deu e a tendência é piorar.

O fato acima é prova mais do que cabal de que os pregadores de que o “mundo está se unindo”, estão radicalmente errados e não estão enxergando o que está acontecendo neste momento em todas as partes do planeta. Uma das provas mais contundentes deste grosseiro erro é que hoje temos mais de 400 movimentos separatistas (povos reivindicando seu direito de autodeterminação) nas diversas partes do globo terrestre e a cada ano nascem em média três novos países. O único “país” que desapareceu foi a Alemanha oriental, separada a força pela “imbecilidade ideológica” dos vencedores da segunda guerra mundial. Ao contrário do que muitos pensam, com a queda do muro de Berlim, caiu também esta mentalidade tosca de que povos têm que ser mantidos a força e contra a sua vontade, unidos ou separados a Estados nacionais. 
Por fim, vale uma reflexão a luz das declarações de David Landes em relação a atual situação da região Sul do Brasil. Será que ele efetivamente tem razão? Se esta região e seu povo continuar “unida” ao Brasil, vai algum dia conseguir ter um futuro melhor? Do nosso ponto de vista, Landes tem total razão, pois mantendo-se o atual status quo, continuaremos a ser apenas as três colônias do Sul, exploradas pelo corrupto e inepto estado brasileiro. Para conseguirmos chegar a dias melhores, não nos resta outra saída que não seja lutar por ter nosso próprio país. Um país que comece da maneira certa e que seu povo tenha antes de mais nada, orgulho de seus iguais e do trabalho que dignifica e dá lastro ao desenvolvimento econômico, social e cultural.
*O autor é jornalista e presidente do Movimento O Sul é o Meu País.  


Mais sobre o tema no link abaixo:




domingo, 9 de junho de 2013

O Comércio

       O comércio, é sem dúvida, um dos mais antigos, se não o mais antigo meio de contato entre as pessoas.

Símbolo do Comércio
       Desde a antiguidade há registros de pessoas e agrupamentos humanos que praticavam trocas de objetos entre si, não necessariamente para obter vantagem mútua, e muito mais como forma de interação social primitiva.

       Com as necessidades demandadas pela falta ou excesso de um determinado produto em uma localidade, as transações de trocas de um produto pelo outro tornaram-se mais frequentes, e o escambo representou o embrião do que hoje conhecemos como a modalidade de comércio moderno, que nada mais é do que a continuação das antigas trocas. Antes, trocavam-se apenas produtos, hoje o produto é trocado, via de regra, por dinheiro. Então é correto afirmar que antes havia uma troca direta (produto-produto) e hoje há uma troca indireta (produto-dinheiro). Com a industrialização, hoje são raríssimas as formas de troca direta, apenas resistindo em regiões de difícil acesso ou entre povoados que tradicionalmente mantém tal modalidade. Entre economistas e teóricos do tema, percebe-se certa uniformidade de pensamento em afirmar-se que o comércio beneficia ambas as partes, caso contrário uma delas não aceitaria participar da transação. Portanto, a ideia de que o comércio seria meramente adquirir algo pelo valor "x" e repassá-lo pelo valor "2x" é bastante simplista. 

       Comerciar, na essência, é entregar algo que o outro necessita, e receber por esta entrega um justo valor pelo serviço.

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       Venho de uma família que praticou o comércio por séculos, e interrompeu esta prática quando meu saudoso avô, já alquebrado pelos anos, encerrou suas atividades comercias em meados da década de 90 e seus filhos não deram segmento aos seus empreendimentos. 

       Confesso que desde sempre manifestei certo interesse e curiosidade acerca da prática do comércio.

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terça-feira, 14 de maio de 2013

Ética do Advogado Criminalista *



De todas as profissões já inventadas, a advocacia criminal talvez seja a mais incompreendida pelo público em geral. E, por conta disso, é possível que seja a mais odiada.
Qualquer pessoa pode entender facilmente a contribuição social dada por um médico, um professor, um ator, um pedreiro ou um lixeiro. Todos eles, cada um a seu modo, contribuem para uma vida social melhor. Difícil, mesmo, é entender como alguém pode ganhar a vida “defendendo bandidos”.
O imaginário popular divide os advogados criminalistas em duas categorias: os “asquerosos defensores de bandidos” e os “honrados defensores de inocentes”. Na primeira categoria estaria a grande maioria dos advogados criminalistas, que teria vendido todos os seus princípios morais ao vil metal. Na segunda categoria estaria uma minoria de advogados honrados que trabalham por um ideal maior de justiça, só defendem inocentes e chegam a advogar sem cobrar honorários. Uma espécie de ONG de uma pessoa só, que paga suas contas com a gratidão do inocente e a admiração do público em geral.
A vida real, porém, é bem diversa desta visão romanceada da advocacia criminal. A ética do advogado criminalista o impede de fazer justamente o que a maioria das pessoas gostaria que ele fizesse: julgamentos morais dos seus clientes. Eis aqui o grande equívoco: advogado não julga; quem julga é o juiz. Advogado defende.
O escritório de advocacia não é um tribunal prévio que avalia se o cliente merece ser defendido ou abandonado à sua própria sorte e ao linchamento social. Quando um médico vai atender um paciente não faz uma triagem prévia para saber se o cidadão merece ou não ser curado. Professores no início do semestre não fazem qualquer seleção para saber se os alunos matriculados em suas disciplinas merecem ou não estudar com eles. Atores, pedreiros e lixeiros também prestam seus serviços indistintamente sem se preocuparem em fazer qualquer triagem moral para saber se os usuários são ou não merecedores de seu trabalho. O advogado, porém, no imaginário popular teria um suposto dever ético de escolher seus clientes aceitando os “bons” e rejeitando os “maus”.
A sociedade não recrimina o médico que cura o criminoso, o professor que leciona para o criminoso, o ator que entretém o criminoso, o pedreiro que constrói para o criminoso e o lixeiro que recolhe o lixo do criminoso. A sociedade não recrimina sequer o padre que ouve a confissão do criminoso e o perdoa por seus pecados. Mas o advogado, ao prestar seus serviços de defesa técnica ao criminoso, passa a ser visto quase como seu cúmplice.
É aqui que a crítica se confessa uma homenagem. No imaginário popular, o bom advogado é concebido como alguém capaz de absolver um culpado, mesmo contrariando todas as provas apresentadas pela acusação. Capaz de superar com sua habilidade o promotor e o juiz que são pagos com as mais altas remunerações da república, para respectivamente acusar e dar a palavra final sobre o caso. Em suma: o advogado de defesa é visto como uma espécie de anti-herói capaz de evitar que a “justiça” seja feita.
O imaginário popular superestima a participação do advogado no julgamento. Na prática, os poderes do advogado são limitados e sua participação no processo restringe-se a tentar evitar os excessos da acusação e o arbítrio judicial contra seu cliente. A lei nem sempre é respeitada pelos servidores públicos que têm o poder de investigar, acusar e julgar: comunicações telefônicas são interceptadas sem autorização, domicílios são violados ilegalmente, confissões são extraídas mediante tortura e toda sorte de abusos são praticados em nome de um suposto bem maior que é fazer “justiça” a todo custo. Tudo com a tolerância para não dizer o apoio tácito da maior parte da sociedade, que está disposta a passar por cima das leis que ela própria criou para punir o inimigo da vez.
O advogado tem a dura tarefa de lutar contra o delegado, o promotor, o juiz, a mídia e a própria sociedade para que se respeite a lei, mesmo que para isso tenha que se absolver um culpado. Destarte, o advogado criminalista não trabalha por um julgamento “justo”, se se entender por “justiça” a condenação do culpado a todo custo, mesmo que para isso se tenha que passar por cima das leis. No entanto, o conceito de “justiça”, em um Estado Democrático de Direito, pressupõe o respeito às regras do jogo, mesmo quando contrárias aos interesses da maioria. O advogado é pago pelo seu cliente e não pelo Estado; sendo assim, seu compromisso é com o acusado e não com a sociedade. Seu limite ético não está na culpa ou na inocência do acusado, mas no estrito cumprimento da lei.
É justamente este distanciamento moral que o advogado tem da fúria punitiva da maioria que faz dele o mais rigoroso fiscal da lei e dos direitos fundamentais da pessoa humana. O advogado é o profissional que existe para lembrar a toda sociedade, durante todo o processo, que os fins não justificam os meios; que não se pode fazer justiça passando por cima das leis. E é nesse sentido que a Constituição da República em seu artigo 133 estabelece que “o advogado é indispensável à administração da justiça”.
A ética do advogado criminalista é muito singela: a lei deve ser respeitada não só no julgamento de inocentes, mas também no de culpados. Todo ser humano tem direito de ser julgado de acordo com as regras do jogo. Inocentes ou culpados; homens ou mulheres; brancos ou negros; ricos ou pobres.
Infelizmente, no caso dos pobres, o Estado brasileiro quase nunca cumpre seu papel de fornecer assistência jurídica gratuita e de qualidade aos condenados, por meio de Defensorias Públicas bem estruturadas. Mas isso não é culpa dos advogados; pelo contrário, muitos gostariam de prestar concurso para a Defensoria Pública se estas remunerassem seus defensores com valores semelhantes ao que o Estado paga ao órgão de acusação. Criticar advogados por cobrar altos honorários de seus clientes ou por não defender gratuitamente os pobres é transferir a responsabilidade do Estado de garantir defesa gratuita para o cidadão que não pode pagar por ela para o profissional que, como qualquer outro, trabalha para pagar suas contas ao final do mês.
Vivemos em um mundo capitalista no qual – gostemos ou não – médicos vendem diagnósticos, professores vendem conhecimento, atores vendem entretenimento, pedreiros vendem moradias, lixeiros vendem limpeza e advogados vendem defesas criminais. E os advogados mais procurados têm seu trabalho mais valorizado e cobram mais por ele. Não há nada de antiético em se cobrar caro por um trabalho bem feito. Antiético é o Estado não fornecer assistência jurídica de qualidade para quem não pode pagar.
O advogado deve ser julgado politicamente pelas ideias que expressa na vida pública e pelas causas nas quais eventualmente tenha advogado de graça; nunca por seus clientes. Em sua vida profissional, assim como um médico ou qualquer outro profissional liberal, atenderá indistintamente clientes de esquerda ou de direita, machistas ou feministas, racistas ou não, homofóbicos ou gays e o simples fato de defendê-los em juízo não o fará defensor de qualquer uma destas bandeiras, pois se trata de uma atividade profissional e não de amizade ou companheirismo.
Advogados criminalistas não escolhem clientes, pois a lei vale para todos. Mesmo um nazista culpado de ter estuprado e matado uma criança tem o direito de ser tratado conforme determina a lei. Quanto mais grave o crime, maior é o clamor público por uma condenação rápida e rigorosa. E quanto maior o clamor público e a pressa em se julgar, maior a necessidade de se cumprir rigorosamente a lei para se evitar julgamentos precipitados e condenações injustas.
O advogado é o profissional que ganha a vida defendendo que a lei seja cumprida indistintamente, tanto para culpados quanto para inocentes. Se isso ainda hoje causa repulsa social, é porque nosso conceito de democracia ainda é demasiadamente frágil para reconhecer que a lei deva valer para todos, seja ela favorável ou não às nossas expectativas. E é para sempre lembrar a sociedade disso, que existem os advogados.
* Extraído da Revista Forum. Texto de Túlio Vianna. Na íntegra:

sexta-feira, 29 de março de 2013

O sentido pascal: Uma analogia



Em razão de estarmos vivendo o tempo da Páscoa Cristã, encontrei este texto de autoria de Ethel W. Guerstein, que diz do sentido judaico para Páscoa, ou das celebrações de Pessach, momento em que o povo judeu relembra a libertação e fuga dos Hebreus do cativeiro no Egito rumo à Terra Prometida. Diferente dos que pensam que a Páscoa surgiu na Era Cristã, devemos ter em mente que ela data de aproximadamente 3.500 anos.

Guerstein reproduz uma narrativa original de David Ben Gurion, um dos fundadores do Moderno Estado de Israel, e que também foi escolhido para ser o primeiro chefe de governo israelense, sendo eleito Primeiro-Ministro quando da formação do mesmo. Descrita no diário pessoal de Ben Gurion, nos ajuda a compreender o significado e extraordinária magnitude de Pessach, a Festa da Libertação.

Em seu diário, Ben Gurion conta que em 1954, como Primeiro-Ministro, viajou para os EUA para reunir-se com o Presidente Eisenhower e solicitar apoio e assistência em momentos difíceis para o jovem Estado de Israel.
Imagem de David Ben Gurion

Em uma de suas reuniões com o então Secretário de Estado, John Foster Dulles, este o enfrentou com um elevado grau de arrogância e perguntou: "Diga-me, Senhor Primeiro-Ministro, a quem você e seu Estado realmente representam? Por acaso os judeus da Polônia, Iêmen, Romênia, Marrocos, Iraque, a União Soviética e o Brasil são a mesma coisa? Depois de 2.000 anos de diáspora é possível falar de um único povo judeu, de uma única cultura, tradição ou costume judaico?".

Ben Gurion disse: "Veja, Sr. Secretário, há apenas 200 anos, o navio Mayflower partiu da Inglaterra levando a bordo os primeiros colonos que se estabeleceram no que é hoje esta grande potência democrática, os Estados Unidos da América. Peço-lhe para ir até a rua e perguntar a dez crianças americanas o seguinte: Qual era o nome do capitão do navio, quanto tempo durou a viagem, o que a tripulação comeu durante a viagem, e como se comportou o mar durante a viagem marítima ? Provavelmente não vai obter respostas coincidentes.

Mas peço que atente para o seguinte. Há mais de 3.000 anos os judeus saíram do Egito. Gostaria então que, em algumas de suas viagens ao redor do mundo, tente encontrar-se com dez crianças judias em diferentes países, fazendo-lhes perguntas sobre o nome do capitão daquela travessia, quanto tempo durou a viagem, o que comeram durante esta viagem e como se comportou o mar. Quando você tiver as respostas, e se surpreender com elas, tente se lembrar e reavaliar a questão que acabou de me fazer."

Feliz Páscoa ou Chag Pessach Sameach!!!

Leia mais sobre o tema no link abaixo:

Os Judeus, o Dinheiro e o Mundo


Uma visão sem preconceitos da
relação dos judeus com o dinheiro *



* Texto original de Marilia Pacheco Fiorillo
Capa do livro de Attali



Os fundadores da religião monoteísta foram também os pioneiros do espírito capitalista – essa é a tese de Jacques Attali em Os Judeus, o Dinheiro e o Mundo (tradução de Joana Angélica d'Avila Melo). 

Judeu franco-argelino, Attali foi por dez anos conselheiro do presidente francês François Mitterrand, fundou o Banco Europeu pela Reconstrução e Desenvolvimento e a PlaNet Finance, ONG de captação de microcréditos para países pobres. Polivalente, entre seus trinta livros há ensaios, biografias, romances e até uma peça em parceria com o ator Gérard Depardieu. 

No prefácio a Os Judeus, o Dinheiro e o Mundo, o presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista, rabino Henry Sobel, confessa que chegou a temer que o livro municiasse o anti-semitismo que associa a imagem da comunidade à ganância – vide o judeu Shylock, de O Mercador de Veneza, de Shakespeare, que chega ao cúmulo de pedir uma libra da carne do inadimplente Antonio. Temor desnecessário, porém: a graça do livro é exatamente a de devolver o insulto como se se tratasse de elogio. 

Não há nada de execrável com o dinheiro, sugere Attali.

Essa tática bumerangue vem acompanhada de excelente bibliografia e uma escrita coloquial, necessárias sobretudo pela ambição de abarcar, em 600 páginas, de Abraão a Ariel Sharon

De lá para cá, os judeus teriam sido tão detestados quanto desejados, pois indispensáveis em seus préstimos. Prova disso é que, a cada vez que uma perseguição começava, eles eram vítimas das acusações mais estapafúrdias, como a de bebedores de sangue ou portadores da peste, mas nunca foram chamados de escroques. Tal injúria não conviria aos próprios inquisidores, que num dia perseguiam e no outro pediam crédito, entre eles inúmeros papas. 

Shylok, da obra "O Mercador de Veneza"
Quando as capitais do mundo eram Babilônia ou Alexandria, lá estavam eles inventando o cheque, a letra de câmbio e outras técnicas de lastrear o esplendor. 

Sem o financiamento dos judeus conversos, Colombo não teria descoberto a América. 

Sem o apoio dos banqueiros Rothschild, tesoureiros da "Santa Aliança", Napoleão Bonaparte possivelmente não teria sido derrotado. 

Emprestar, mesmo que a juros elevadíssimos, era o passaporte para a tolerância: reis precisavam dos judeus para pagar suas guerras; comerciantes dependiam de seus créditos; até um modesto vizinho do vilarejo sabia a quem recorrer. O que nunca impediu, entretanto, violentas ondas de anti-semitismo nessa clientela. 

Em Alexandria elas eram endêmicas. Os reis espanhóis Fernando e Isabel, mais ela que ele, instigada por seu confessor dominicano, Torquemada, retribuíram a generosa contribuição de Isaac Abravanel, que lhes permitiu reconquistar Granada dos muçulmanos em 1492, com um decreto oferecendo aos judeus a conversão forçada ou a expulsão.

Nessa eterna convivência de soslaio, a era de ouro para os judeus foi sob as asas do Islã. "Os judeus jamais conheceram melhor lugar para residir que esse Islã do século VIII", escreve o autor. Os de Damasco receberam os muçulmanos como libertadores. O califa Omar confiou-lhes a coleta de impostos e contou com a ajuda de guerreiros judeus para conquistar Alexandria. O califa Harun al-Rachid, o das Mil e Uma Noites,cercou-se de conselheiros judeus, enviando um deles como seu embaixador junto a Carlos Magno. 

Pode não estar no Corão, mas está na Bíblia: abominável é a pobreza, o juro é sinal da fertilidade da riqueza

Essa saudável perspectiva vem desde Salomão, o mesmo do Cântico dos Cânticos, que, ao inaugurar seu célebre Templo no século X a.C., inaugurava também um sistema de taxação e o primeiro banco com caixa-forte da história. Os juros (em hebraico, nechekh, que significa mordida) eram permitidos só fora da comunidade. 

Com o passar do tempo e a proibição, pela Igreja Católica, de que os judeus exercessem outros ofícios, o papel de prestamista não só foi o que lhes restou, como nunca os denegriu, ao menos do ponto de vista rabínico. 

Caricatura do judeu ávido pelo dinheiro
Se a Igreja Católica elogiava a pobreza enquanto seus bispos acumulavam propriedades, dois textos fundamentais do judaísmo, o Talmude de Jerusalém e o da Babilônia, codificaram com comovente falta de hipocrisia as margens para taxas de juros.

A paternidade do capitalismo, com licença, diz Attali, é dos judeus

O ponto alto do livro é o debate com o sociólogo alemão Max Weber, autor do célebre A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, para Attali uma "suma de ignorância e ingenuidade". Weber dizia que os judeus haviam inventado um "capitalismo de párias", de pura extorsão, em contraste com a ética da poupança, da produtividade e da racionalidade próprias do protestantismo. 

Com ironia, o autor argumenta que a "ética da poupança" weberiana, se levada ao ideal, redundaria na derrocada do capitalismo, que necessita de arrojo e risco, não de pacata mesquinharia. 

Dois judeus que nunca esconderam suas dificuldades com o dinheiro são citados: Karl Marx e Sigmund Freud. Marx, a matriz do comunismo, relacionou o judaísmo aos males capitalistas. Freud associou o dinheiro, simbolicamente, à matéria suja que se deve expelir. Attali os trata como "fantasias" equivocadas sobre o tema.

A força da presença judaica, sugere o autor, se deve à sua qualidade nômade, cosmopolita, nos créditos concedidos, mas sobretudo na cultura disseminada. Como diz o adágio: a primeira geração funda bancos, a segunda os dirige e a terceira dá músicos, pintores e psicanalistas. É na identidade cultural, não territorial, que esse povo vem se perpetuando – demograficamente irrisório, culturalmente imponente. E se a globalização trará a multiplicação das diásporas, "o mosaico movediço de que será feito o mundo", o livro de Attali traz também uma lição sobre a necessidade urgente de demolir o muro dos preconceitos. Afinal, Rute, a bisavó do rei Davi, nem mesmo judia era.

A alma do negócio
"Equivocadamente, a ensaísta Hannah Arendt escreverá: 'Não existe melhor prova desse conceito fantástico de um governo mundial judaico do que essa família, os Rothschild, cidadãos de cinco países diferentes, poderosos em cada um, em estreitíssimas relações de negócios com pelo menos três governos, sem que os conflitos entre nações tenham, sequer por um instante, abalado sua solidariedade de banqueiros'. Na verdade, veremos que eles não concedem nenhum empréstimo importante sem obter, em seus respectivos países, a concordância explícita do ministério competente. São fiéis somente a seus governos e não esquecem que a chave do sucesso – e da moral – dos judeus continua sendo a mesma há dois milênios: nada é bom para ele se não o for também para seus vizinhos, estejam onde estiverem."
Trecho de Os Judeus, o Dinheiro e o Mundo

terça-feira, 26 de março de 2013

Aceita um mate? Socializado ou capitalizado?


Cuba ainda vive sob o embargo americano, a China diz ser uma nação socialista, assim como a Coréia do Norte. Porém, desde a penúltima década do século XX, há quem diga que o socialismo ruiu junto com dois de seus mais emblemáticos símbolos, o Muro de Berlim e a antiga União Soviética, confirmando o triunfo do capitalismo.

Chimarrão socializado
Será mesmo? E o que isso tem de ver com um bom chimarrão?

Primeiro temos que conceituar:

Capitalismo: Sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meios de produção e distribuição, na busca do lucro da livre concorrência e do trabalho assalariado. Tal sistema depende de existirem no mercado, capital e trabalho livre, onde as mercadorias são o capital, os meios de produção e a matéria-prima. A mercadoria dos trabalhadores é sua força de trabalho, a qual é vendida em troca de salário. O lucro advém da diferença entre o valor dos bens produzidos e o custo da produção.

Socialismo: Sistema político que defende a primazia dos interesses coletivos da sociedade sobre os do indivíduo, e propõe, na produção e distribuição de bens, a ação coordenada da sociedade em lugar da iniciativa privada, a fim de compartilhar a produção.

Aqui é que entra o chimarrão.

Certa vez, durante uma mateada numa manhã de inverno, em meio à discussão sobre capitalismo/socialismo, ante a dificuldade de se oferecer uma resposta definitiva, meu amigo e compadre Pablo Bortolanza nos deu a solução, e serviu-se da ocasião para propor o que eu considero o melhor exemplo para dissipar dúvidas sobre o que é socialismo e o que é capitalismo. 

Disse ele:

"Vejam, se eu venho aqui de posse da minha mateira, pego minha cuia e minha erva, ajeito um mate bem cevadinho, ajujado à preceito, derramo a água quente da minha térmica e distribuo o mate pela roda de amigos, eu socializo o chimarrão. Agora, se eu faço todo este processo, dispondo do capital, que é o mate pronto, os meios de produção, que é o ato de cevar o mate, e da matéria-prima, que são a cuia, a bomba, a erva, a água e a térmica, e ao invés de compartilhar o mate (afinal, por quê dar de graça?) eu ofereço para vocês cada cuiada ao custo de R$ 2,50 (dois pila e cinquenta), então eu capitalizei o chimarrão"!

Se ainda assim, você não conseguiu diferenciar socialismo de capitalismo, com todo o devido respeito, você realmente é muito burro...
Chimarrão na "linha de produção"

terça-feira, 19 de março de 2013

Cidades inteligentes

Parque da Cidade, chamado Parque do Lago. Guarapuava-PR

Cada vez mais a ideia de converter os aglomerados urbanos em ambientes inteligentes vai sendo aceita nas discussões acerca das cidades.

O arquiteto e urbanista Jaime Lerner, independentemente das opiniões políticas, é reconhecido como um dos grandes pensadores e realizadores de programas que transformaram Curitiba, a partir do início dos anos 70, em uma cidade que foi referência na redução das complexidades e projeções trágicas que hoje afligem a maioria das metrópoles do mundo.

Pregando termos bem esquisitos para a época, como sustentabilidade, mobilidade, transporte coletivo de superfície, reciclagem entre outros, Lerner explorou diversas áreas ligadas à gestão pública para ser o pioneiro em reinventar a cidade. Disto, entre tantos pontos que se enraizaram na capital paranaense e depois foram implantados em diferentes cidades do mundo, ficaram heranças como a criação de vias de tráfego exclusivas para ônibus, sistema integrado de transporte coletivo, conscientização da necessidade de maior aproveitamento das fontes renováveis de energia, separar o lixo orgânico do não orgânico, uso racional do automóvel, revitalização de espaços públicos para maior interatividade da população, e por aí vai.

Crítico dos modelos urbanos que separam moradia-lazer-trabalho-consumo, ele defende o compartilhamento dos locais de convivência. Em outras palavras, ele é contra reservar grandes espaços para condomínios fechados que isolam os moradores dos demais, ou de instalar áreas destinadas apenas à alguma atividade específica, ou seja, ao se instalar nos arredores da cidade grandes empresas que vão gerar muitos empregos, primeiro deve-se levar infraestrutura urbana de modo que as pessoas possam morar próximas aos locais de trabalho, sem criar guetos ou agrupar gente aqui e ali, a partir de religião, classe laboriosa ou nível econômico, que possa ser vantajoso para alguns e gesto de segregação para outros.

Para ele, quanto mais diversidade melhor, tudo "junto e misturado".

Lerner, que se afastou da vida pública no ano de 2002, ainda viaja pelo mundo participando de discussões sobre temas relacionados ao termo Cidade Inteligente, que no fundo, discutem os mesmos programas, projetos e ações que ele próprio começou a executar pelo menos quatro décadas atrás.

Abaixo o link com interessante entrevista recente que Lerner concedeu à Fernando Gabeira no programa "Capital Natural", da Band News.





quinta-feira, 7 de março de 2013

Ganância e Ambição

Ganhar é bom!

A ganância é boa, já disse Gordon Gekko, personagem vivido por Michael Douglas no filme Wall Street, do diretor americano Oliver Stone.
 
Há quem prefira o limite da ambição, justificando que ambição é querer apenas ganhar, e ganância é querer ganhar sempre e ganhar tudo. Seja lá como for, tenho observado constantemente a presença de ambição e ganância, inclusive as minhas, por onde quer que se olhe.
Gordon Gekko, símbolo da ganância desmedida

Alguém já me disse que sou um bom observador.

Interessante como se aprende tanto observando o comportamento de indivíduos enquanto indivíduos, e quando pertencentes à determinadas tribos sociais. Ainda mais se devidamente identificados seus desejos de ganância e ambição. Quando indivíduo, no más das vezes, ele sorri, oferece as mãos estendidas e o abraço fraterno. É a ambição por algum ganho futuro que nele se manifesta.

Mas, quando é parte ou é liderança coletiva, ilustra postura completamente diferente. Interessante também constatar o indivíduo ou grupo em situações opostas: Quando vão bem, vencem e são apontados como ganhadores, nunca reclamam, esbravejam ou se lamuriam, e é claro, facilmente reconhecem-se como grandes vitoriosos, melhores que tudo e que todos. E aqui neste ponto, também são gananciosos

Já, se perdem, rapidamente esquecem de quando ganhavam, se irritam, ficam enfurecidos, inconformados e revoltosos, e rapidamente apressam-se em apontar os vilões culpados pela sua derrota, sem sequer cogitar enxergar mérito algum naqueles que tenham vencido, nem tampouco avaliam que os ganhadores de hoje foram ávidos perdedores ao longo do tempo, ao contrário deles, que embora hoje perdedores, conviveram tempos contabilizando repetidos ganhos em suas pretensões. Ganância novamente.

Resulta portanto desta singela análise, extrato afirmativo de que a ganância prevaleceu, salientando-se duas vezes sobre a pobre da ambição.
Cartaz do filme Wall Street

Creio que é da natureza humana tal ilustração social, e talvez por isso, a Sociologia existe. Você também certamente já pode perceber comportamentos semelhantes aos que aqui coloquei. Então, partindo desta minha brevíssima explanação, humildemente solicito a opinião e a ajuda de tantos quantos queiram se manifestar. Ah! Reparem que eu não especifiquei indivíduo algum, bem como não faço menção à este ou àquele grupo. Minhas observações são acerca de atitudes que aduzem a reações, que podem dizer respeito à ganhos e perdas de investidores do mercado financeiro, de grandes empresários e seus executivos, de equipes de gincanas e seus líderes, de times de futebol e seus técnicos, de sócios de grandes escritórios de advocacia e sua banca, de candidato eleitoral e seus correligionários, do general e seus oficias e assim por diante. 

E você, quando líder ou parte da coletividade, ou mesmo individualmente, considera-se alguém ambicioso ou
pratica a mais pura e voraz ganância em seus objetivos?
Eu já tenho minhas respostas, mas por hora, vou guardá-las apenas para mim.